A Porta que se abriu para um novo tempo: o legado do Báb

Por ocasião da celebração da Declaração do Báb

Por Ana Lemos –

 

Em apenas seis anos, ele redefiniu o curso espiritual e social da humanidade

 

No dia 23 de maio de 1844, dois acontecimentos aparentemente desconectados marcariam o início de uma nova era. Em um lado do mundo, Samuel Morse enviava o primeiro telegrama da história, inaugurando a era da comunicação instantânea. No outro, na cidade de Shiraz, na Pérsia, um jovem de 25 anos fazia uma declaração que mudaria, silenciosamente, os rumos espirituais da humanidade. Seu nome era ʿAlí Muhammad, mas ele se apresentou como o Báb, que em árabe significa “A Porta”.

Naquela noite, o Báb revelou ser um Mensageiro de Deus, com a missão de inaugurar uma nova etapa na história espiritual da humanidade. Ele anunciava o fim de um ciclo anterior de revelações e a chegada de uma era marcada por amadurecimento coletivo, justiça social e unidade global. Sua própria presença já representava essa transformação em movimento. A missão do Báb era preparar a humanidade para reconhecer Aquele que Deus tornaria manifesto, o Mensageiro prometido em todas as escrituras sagradas do passado. Essa promessa se cumpriu com a Revelação de Bahá’u’lláh, que trouxe ao mundo os fundamentos espirituais e sociais de uma nova civilização baseada em unidade, equidade e cooperação entre todos os povos.

O mundo em que o Báb nasceu, em 1819, passava por transformações intensas. A Revolução Industrial alterava profundamente a vida social e econômica do Ocidente. Impérios tradicionais enfrentavam crises de legitimidade. No Irã da dinastia Qajar, havia instabilidade política, desigualdade social e forte repressão religiosa. A fé era controlada por uma elite clerical rígida, e qualquer ruptura com a tradição era tratada como ameaça.

Foi nesse contexto que surgiu a Figura extraordinária do Báb. Nascido em uma família nobre e respeitada, Ele tinha à disposição os caminhos do prestígio e da segurança. Mas aos 24 anos, foi chamado por Deus para cumprir uma missão divina. E em vez de buscar reconhecimento pessoal, aceitou ser a Porta por meio da qual um novo tempo espiritual se iniciaria.

O Báb era conhecido por sua inteligência, serenidade e clareza de expressão. Até os que não aceitavam sua mensagem reconheciam sua integridade e dignidade. Diante de tribunais, manteve firmeza. Diante da perseguição, manteve a paz interior. Ele não apenas ensinava uma nova visão do mundo. Ele a vivia.

Durante os seis anos em que transmitiu Sua Mensagem, o Báb inspirou milhares de pessoas. Mulheres e homens que reconheceram naquela Revelação um chamado profundo à transformação espiritual e social. Entre eles esteve Táhirih, uma mulher erudita, poeta e corajosa, que se tornou um dos nomes mais marcantes da história da Fé. Em um gesto público inédito, ela retirou o véu diante de uma assembleia de homens, rompendo com séculos de opressão e declarando o início de uma nova era. Seu ato não foi apenas simbólico. Foi o primeiro marco visível do que hoje reconhecemos como o início da emancipação das mulheres. A Mensagem do Báb, ao anunciar a vinda de Bahá’u’lláh, preparava também a humanidade para uma nova compreensão da igualdade entre os seres humanos.

A transformação proposta por ele não era de destruição, mas de reconstrução. Sua Revelação marcou a transição entre dois grandes períodos da história espiritual da humanidade: um ciclo anterior, associado à infância coletiva da civilização e sustentado pelas grandes religiões do passado, e uma nova etapa de amadurecimento, que se iniciaria com a Mensagem de Bahá’u’lláh. Foi o encerramento do ciclo abraâmico e o começo de um tempo orientado pela ideia de unidade global.

A Fé que teve início com o Báb se espalhou pelo mundo e hoje está presente em mais de 190 países. Em diferentes contextos culturais e sociais, pessoas inspiradas por sua mensagem se reúnem regularmente para estudar, orar, servir e aprender em conjunto. Essas ações fortalecem laços de solidariedade e geram ambientes onde valores como justiça, cooperação e igualdade são colocados em prática no cotidiano. É um processo contínuo de construção comunitária, no qual cada indivíduo é visto como agente ativo na transformação da sociedade e no avanço espiritual coletivo.

Celebrar a declaração do Báb é reconhecer que essa Porta continua aberta. A história não voltou atrás desde então. A transformação que Ele iniciou segue em movimento. E Sua Mensagem continua viva. Fala de esperança, coragem moral, renovação e fé em um mundo mais unido e mais justo. Ela convida cada pessoa, independentemente de crença ou origem, a imaginar o que pode ser reconstruído. Ele não veio apenas para abrir uma porta. Ele nos mostrou que atravessá-la é possível. E necessário. Porque essa porta, acima de tudo, conduz à presença de Deus.

Ana Lemos é jornalista e membro da comunidade bahá’í.

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