LEVANTANDO-SE JUNTOS: Construindo a Capacidade de Recuperar-se de Dentro para Fora

Uma Declaração da Comunidade Internacional Bahá’í à Cúpula Humanitária Mundial em Istambul, Turquia

 

“Agora o nosso [governo local] reunir-se-á e conduzirá o processo de reconstrução para a comunidade seguir. Sabemos que não devemos depender da ajuda de doadores, mas sim encarregarmo-nos do nosso próprio desenvolvimento. Para o processo de reconstrução, usaremos as mesmas ferramentas e instrumentos que usamos para o [avanço] da nossa comunidade.”

— Membro de um povoado atingido por um ciclone nas Ilhas do Pacífico

 

A FAMÍLIA HUMANA É APENAS UMA. Partilhando uma herança comum, recebida dos que vieram antes, bem como um legado comum a ser deixado àqueles que virão depois, os povos do mundo estão conectados de modos tais que não podem mais ser negados ou ignorados. As grandes massas da humanidade representam também um imenso reservatório de capacidade para o avanço da civilização — não meramente em teoria, mas em incontáveis cidades, municípios e povoados nos quais a sociedade se desenvolve e se vive a vida cotidiana. Esta é uma realidade que as agências humanitárias estão testemunhando no mundo todo. De sua parte, as comunidades bahá’ís ao redor do globo estão vendo um crescente número de pessoas que tomam a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento espiritual, social e material, criando novos padrões de vida coletiva e se percebendo como protagonistas no desenvolvimento da sociedade. E, ao serem atingidas por desastres naturais, comunidades como essas são mais capazes de tomar medidas significativas e efetivas para reagir à situação e se recuperar. De fato, a experiência tem mostrado que em tais circunstâncias as pessoas podem demonstrar notável resiliência, abnegação, desenvoltura e criatividade.

O reconhecimento da importância da capacidade humana em situações de calamidade não está ausente nos discursos atuais. Ela pode ser vista na crescente relevância de ideias como participação, empoderamento e subsidiariedade¹* em círculos humanitários e de desenvolvimento. “As pessoas são os agentes centrais de suas vidas e são os primeiros e últimos a responder a qualquer crise”, declarou o Secretário Geral das Nações Unidas em seu relatório à Cúpula Humanitária Mundial. No entanto, transformar tais ideais em algo tangível, na realidade em ação, ainda é um desafio gigantesco. Portanto, uma questão central se apresenta àqueles que procuram “fazer algo melhor para … aliviar o sofrimento e reduzir o risco e vulnerabilidade”.² Quais capacidades e qualidades especificamente ajudam uma população local a assumir a direção em efetuar sua própria resposta à situação, sua própria recuperação e desenvolvimento? Desastres naturais muito fazem em chamar a atenção da comunidade internacional. Porém, para a população local, tais eventos, por mais destrutivos que sejam seus efeitos imediatos, representam apenas um período em um grande lapso de tempo na vida coletiva, o qual se estende desde longo tempo no passado e continuará indefinidamente no futuro. A habilidade de resposta de uma região tem, por conseguinte, muito a ver com as capacidades, atitudes e qualidades que caracterizaram a comunidade muito antes de haver enchentes em rios ou ciclones atingirem a região.

Cultura e padrões de vida comunitária

A experiência bahá’í com situações de desastre sugere que os padrões de vida comunitária e as características da cultura são de especial importância. Comunidades que — antes do desastre

—foram especialmente bem-sucedidas em enfrentar tais situações, trabalharam conscientemente para criar padrões distintivos e benéficos de vida coletiva. Ao criar consenso e unidade de visão com o passar do tempo, eles fazem escolhas intencionais e significativas a respeito dos tipos de interação na comunidade, de como as pessoas se inter-relacionam em diferentes espaços, dos tipos de relacionamento entre os membros da comunidade, entre diferentes grupos ou subpopulações, e entre as instituições governamentais.

Tomar medidas neste sentido requer o desenvolvimento de capacidades em uma diversidade de áreas. Algumas pertencem basicamente à atividade intelectual, técnica e científica. Outras são de natureza mais social, focadas no fortalecimento e refinamento de padrões de interação, associação e relacionamento entre os habitantes. Ainda outras, focam nos aspectos morais e normativos da vida coletiva, baseadas no patrimônio religioso da humanidade para tratar de questões fundamentais de significado, motivação mais elevada e propósito moral. Para que haja progresso contínuo e acelerado, e armadilhas como materialismo mesquinho, fragmentação social, egoísmo e passividade sejam evitadas, deve-se dar a devida atenção ao desenvolvimento de todas essas capacidades.

Dadas essas realidades, comunidades bahá’ís têm dado atenção especial à aprendizagem de como a religião pode ser um meio para despertar e cultivar, em nível prático nas bases da sociedade, os elevados e nobres atributos latentes em toda alma. Dentro de tal ambiente, comunidades religiosas passam a funcionar como comunidades de práticas nas quais os princípios e ensinamentos espirituais são aplicados com zelo à vida da sociedade para o benefício de todos. Nelas pode ser mobilizado um processo de construção de capacidade que permita a um crescente número de pessoas participar na transformação da sociedade — protegendo-as e nutrindo-as. A inata atração humana àquilo que é bom e belo é canalizada em padrões tangíveis de conduta. Os alicerces morais de integridade e generosidade, nobreza e compaixão são reforçados. E um crescente número de pessoas trabalha em conjunto para aprender a respeito de padrões de relacionamento e estruturas sociais correspondentes que reflitam a unicidade fundamental da família humana.

Os esforços da comunidade bahá’í

Como pode tal processo se afigurar na prática? As comunidades bahá’ís, ainda que seus esforços sejam incipientes, oferecem um exemplo a ser considerado. No decorrer das duas últimas décadas, os bahá’ís e colaboradores afins vêm trabalhando para estabelecer um processo de educação espiritual e moral, de âmbito mundial e aberto a todos. Estruturado em estágios para atender às necessidades de desenvolvimento de diferentes idades, esse sistema zela pela educação moral de crianças, facilita o empoderamento espiritual de pré-adolescentes e permite que um crescente número de jovens e adultos explore a aplicação de ensinamentos espirituais à vida cotidiana e aos desafios com os quais a sociedade se defronta.

Desenvolvendo-se em ambientes rurais e urbanos, em vizinhanças e povoados, o sistema, como um todo, busca construir em uma população a capacidade de traçar seu próprio caminho de desenvolvimento e contribuir para o bem comum. Os que apoiam seus esforços nas bases da sociedade, empenham-se em criar um ambiente ao qual um crescente número de seus amigos, familiares, vizinhos e conhecidos se veem como agentes ativos de seu próprio desenvolvimento e protagonistas de um esforço constante para aplicar conhecimento em prol de transformação individual e coletiva.

Primordialmente, o princípio central que organiza este processo é o desenvolvimento de capacidades para o serviço à comunidade e à sociedade. Ajudados a assumir atos de serviço cada vez mais complexos, os participantes gradualmente adquirem a visão, a confiança e as habilidades necessárias para começar a oferecer atividades e programas a outros com menos experiência do que eles. Desse modo, boa parte daqueles que adentram o processo, simplesmente como participantes, avançam ombreando responsabilidade cada vez maior pela perpetuação e expansão do mesmo. Servindo como professores ou facilitadores de grupos de estudo, por exemplo, eles se tornam apoiadores-chave e recursos vitais. E, à medida que sua capacidade e experiência se amplia ainda mais, uma porção deles começa a coordenar e apoiar os esforços de outros colaboradores, em níveis de vizinhança até o âmbito nacional.

Capacidades de construção de comunidade em tempos de calamidade

Embora tais esforços em si não se foquem em enfrentar a situação ou na recuperação propriamente dita, as habilidades que fortalecem e os padrões de conduta que promovem têm profundo impacto em tempos de calamidade natural. A capacidade de organizar grande número de pessoas em ação coordenada fornece um exemplo claro. À medida que o empenho na construção de comunidade cresce até o ponto em que centenas de habitantes apoiam a participação de milhares de seus concidadãos, sistemas cada vez mais sofisticados de apoio e comunicação surgem para administrar a crescente complexidade. Tais estruturas aprimoram grandemente a habilidade da comunidade em enfrentar e reconstruir em grande escala. Habilidades organizacionais, tais como manter estatísticas básicas, planejar com base em recursos e funcionar no modo de aprendizagem — caracterizadas por reflexão constante e contínua sobre os esforços realizados, os resultados obtidos, e os ajustes necessários — permitem igualmente que os esforços expandam sua escala e escopo conforme necessário. E a experiência na colaboração com instituições do governo — que surge naturalmente à medida que os esforços na construção de comunidade exercem crescente influência na região —pode ser inestimável em alocar recursos externos de maneira eficiente e efetiva.

Promover cooperação e senso de empreendimento coletivo em uma população diversificada é outra capacidade crucial que se desenvolve. Conforme há empenho em acolher um número crescente de pessoas em discussão atenta em prol de seu desenvolvimento coletivo, os processos de tomada de decisão se tornam mais consultivos e participativos. Pontos de vista de jovens e velhos, de mulheres e homens, e de procedências de todos os tipos são solicitados e levados em conta, o que por sua vez atrai outros à participação. E, à medida que essa dinâmica prospera em uma localidade, os líderes se tornam capazes de melhor analisar problemas específicos, alcançar uma compreensão mais profunda de questões complexas e avaliar linhas de ação com clareza e imparcialidade. As aspirações e ideias da população local são continuamente consideradas e intencionalmente incorporadas em planos e projetos. E, à medida que com o tempo aumenta a unidade de pensamento e ação, a comunidade fortalece sua capacidade de contar com recursos coletivos em tempos de necessidade.

Em todo o mundo, as pessoas estão também trabalhando para fortalecer o caráter devocional de suas comunidades. Ao buscarem seus vizinhos de todas as origens, eles estão criando, no ambiente íntimo do lar, espaços de adoração coletiva, de exploração do significado mais profundo da vida e de discussões significativas sobre questões de interesse comum. Tais objetivos claramente espirituais podem parecer tangenciais às preocupações humanitárias tradicionais. Contudo, em tempos de calamidade natural, em todo o mundo as pessoas debatem-se com questões existenciais em níveis mais profundos. E, comunidades em que a adoração coletiva, em uma variedade de cenários, cria o hábito de uns visitarem os outros nas suas casas e regularmente se dedicarem a conversações significativas, estão bem melhor equipadas para permanecer esperançosas, de ver significado e perseverar e se recuperar quando ocorrem calamidades. Comunidades em que os laços sociais são fortes e as raízes espirituais são profundas são mais resilientes perante calamidades.

Resilientes em tempos de calamidade, vibrantes em tempos de tranquilidade

Um crescente conjunto de experiência demonstra que as qualidades e capacidades que tornam uma comunidade resiliente em tempos de calamidade também a tornam forte e vibrante em tempos de tranquilidade. Isto é de importância crucial para a comunidade internacional, pois ela procura “transcender a fragmentação do desenvolvimento humanitário” e “deixar de lado os rótulos institucionais artificiais de “desenvolvimento” ou “humanitário””3 Prestar serviço tangível a outros, trabalhar de modo colaborativo para fins meritórios, exercendo habilidades pessoais em busca do bem comum — fatores como estes são fontes intrínsecas de exaltação e satisfação. Não precisam de justificativa alguma além deles próprios. Porém, quando adotados como elementos culturais coletivos em âmbito local, eles promovem a habilidade de uma população em responder de modo eficaz a uma diversidade de situações desafiadoras. Não é que a comunidade se torne autossuficiente, pois desastres naturais são, por definição, eventos que restringem a capacidade local de responder. Mas o senso de visão e volição coletiva, desenvolvido pelos habitantes, outorga-lhes maior capacidade de absorver ajuda externa de modos que fortaleçam o sentimento local de apropriação e de atuação em vez de solapá-lo ou de tomar o seu lugar.

“Uma Humanidade: Responsabilidade Compartilhada” é o título escolhido pelo Secretário Geral para seu relatório da Cúpula Humanitária Mundial. À luz desta afirmação da unicidade do gênero humano, é digno de nota que o processo de construir novos modelos de vida coletiva pode ser promovido por todos os segmentos da humanidade, independente de local, nacionalidade, raça, educação formal ou outras características. Comunidades de regiões de baixa renda são, por exemplo, tão capazes de criar padrões coesivos e vibrantes de vida social quanto as de alta renda. Por isso, parece razoável que nos próximos anos o mundo “desenvolvido” terá tanto a aprender com o mundo “em desenvolvimento” e vice-versa. Tal reciprocidade de apoio e assistência é uma fonte de grande força e é através dela que se dá concretude ao princípio universal de que a ação social deve ser trabalhada sob o ideal da participação universal. Cada membro da família humana não só tem o direito de se beneficiar de uma civilização material e espiritualmente próspera, mas também a capacidade de contribuir para sua construção por intermédio da ideia fundamentalmente humanitária de serviço comprometido e abnegado aos outros.

“Agora o nosso [governo local] reunir-se-á e conduzirá o processo de reconstrução para a comunidade seguir. Sabemos que não devemos depender da ajuda de doadores, mas sim encarregarmo-nos do nosso próprio desenvolvimento. Para o processo de reconstrução, usaremos as mesmas ferramentas e instrumentos que usamos para o [avanço] da nossa comunidade.”

— Membro de um povoado atingido por um ciclone nas Ilhas do Pacífico


1* Princípio de organização social que sustenta que questões sociais ou políticas de uma sociedade devem ser resolvidas no plano local mais imediato que seja capaz de resolvê-las (Wikipedia). (n.t.)

2      Nações Unidas, Uma Humanidade: Responsabilidade Compartilhada, Relatório do Secretário Geral para a Cúpula Humanitária Mundial, A/70/709

3      Nações Unidas, Uma Humanidade: Responsabilidade Compartilhada, Relatório do Secretário Geral para a Cúpula Humanitária Mundial, A/70/709

 

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